terça-feira, 17 de agosto de 2021

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a dualidade entre sentir a solidão e saber que não está sozinha
é óbvio que existem pessoas, sempre existiram
sempre há pessoas em todos os lugares
há aquelas pessoas que juram pra ti que tu não está sozinha
mas eventualmente o abraço delas não está ali para acalmar o peito que salta para fora da pele
existem aquelas que continuam ali, mas não querem só fornecer um abraço... querem perna, braço, tudo que tu pode - e não pode - oferecer
existe aquelas que continuam ali, mas não compreendem o teu sentimento, não fornecem apenas um abraço, fornecem um discurso junto - ou de como teu sentimento ta errado, ou de como sair dele, ou de como tu é foda e esse sentimento é tão pequeno perto do que tu é
mas a verdade é que eu sou sentimento, dizer que algum deles é pequeno demais é diminuir a mim
e a verdade é que sou sentimento, dizer que ele está errado é duvidar de mim
se duvida de mim, por que quer me abraçar?
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e como cobrar das pessoas exatamente o que eu quero? sendo que eu sou uma pessoa, com vivências e experiências... as pessoas são outras, com outros sentimentos, vivências e experiências
não posso cobrar
mas sinto
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eu sempre senti essa solidão
sempre houveram pessoas que juraram que nunca me deixariam e me deixaram
sempre houveram pessoas que prometeram me abraçar, mas julgaram meu sentimento, então o abraço só vem após escutar qualquer coisa que eu não quero ouvir
não me abrace então
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no meu mantra diz: "não me envolvo", e nessa vida, eu vivo buscando um lugar onde eu possa me apegar em segurança, um porto seguro para ser abraçada e deixar ali a minha solidão - para todo o sempre
sem saber que esse lugar sou eu
mas isso é solitário
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pessoas vieram, pessoas foram
deixei minha solidão em alguns abraços
outros abraços trouxeram ela de volta
e a dualidade que existe em saber que não estou sozinha, mas me sentir só, mas não poder cobrar que outra pessoa me forneça o abraço que eu quero, saber que esse abraço é meu, mas me sentir só por ter que me sustentar em todos os momentos da minha existência
abraços que moram longe demais
abraços que se foram
abraços que não querem a mim
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e no fundo eu me sinto uma criança mimada, que só quer ter pra onde correr, sendo que honestamente, eu nunca tive
cresce Gabriela, deixa de ser a criança mimada que se sentia só
mas eu sinto, não quero reprimir
pois procure alguém
eu cansei
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não se faça de vítima, pra quê todo esse discurso infantil? - mas eu sinto
aceite o discurso que vem antes do abraço - mas ele me agride, vou me sentir agredida e só?
mas como tu quer ser independente e não se sentir só? - mas eu sinto, devo reprimir?
e no fim, eu sigo só

A velha casa dos pais

 Seu nome pouco importa, mas eu quero deixar aqui registrada sua história.

Era uma menina de classe média, que quando criança morava em uma casa no interior. A casa não era lá essas coisas, mas tinha tudo que precisava ter, e seus pais providenciavam tudo que a casa precisava para manter todos os seus integrantes felizes e saudáveis. Era uma casa de madeira, com uma pintura que lembrava casas rústicas, mas a sua mãe tinha uma maneira peculiar de decorar o local. Para a menina, de uma certa forma era brega, mas era tão sua casa, que se fosse diferente não seria aconchegante.

Havia uma variedade de estilos, e era possível ver que essa variedade se dava pelo momento que a moda seguia quando tal decoração foi comprada. Como seus pais não conseguiam comprar as coisas para a casa de uma vez só, era possível ver uma linha do tempo ao andar pela casa. O sofá era de uma época onde os marrons estavam na moda, a estante da TV já era mais moderna, com madeiras expostas e lugar para a TV ser pendurada na parde. 

A cozinha era alegre, com decorações típicas: potes com folhas verdes pendendo de um armário alto que ninguém naquela casa alcança - como as plantas sobreviviam? - muitas portas que dentro guardam uma desorganização sem precedentes, juntamente com aquela lata de leite condensado escondido bem no fundo, para que caso alguma visita chegasse (e era essa a desculpa que a mãe usava para comprar tal lata) ela tivesse como preparar algum doce.

A sua vida passou por aquela casa de diversas formas, quando criança brincava sozinha na varanda, com uma boneca bem feia, mas tinha um nome de uma companhia bem agradável. Ela nunca fora de muitos amigos. Na adolescência a varanda foi cruelmente substituída pelo seu quarto, onde ela aprendeu a passar seus dias. Não por ter sido expulsa dos outros cômodos, mas porquê no silêncio do seu quarto havia uma janela que era parcialmente bloqueada por uma árvore de pitanga, onde ela se sentava para ver o céu. Ocasionalmente era possível ver a lua a noite, e olhando para a lua ela sonhava com o dia que teria uma casa inteira para si.

Naquela casa haviam fotografias, que mostravam pessoas que ela nem conhecia... Alguns rostos só era possível ver por fotografia mesmo, e foi assim, que criança mesmo, ela aprendeu que é melhor guardar os momentos bonitos em um papel, pois o tempo passa. Algumas fotografias estavam penduradas pelas paredes, mostrando que aquela casa - além da decoração ímpar - tinha uma leve fascinação pelo passado. Eventualmente as fotografias mostravam novos rostos, eventualmente a decoração ia mudando, de acordo com a moda atual (que logo virava moda do passado... e assim por diante).

Um dia ela finalmente concretizou seu sonho: conseguiu uma casinha para si. Ela julgava ter um gosto para decorações muito mais apurado que o da mãe, mas convenhamos, o que não é brega para mim pode ser brega para você. Então quem sabe, seu estilo seja apenas diferente. Na sua nova casa, ela não deixou um espacinho para a saudade, apesar de ela ter vindo junto mesmo assim. Engraçado, que não é da casa exatamente que ela sente falta, sabe?

Ela sente falta daquilo que apenas a fotografia tem: um momento que era exatamente daquele jeitinho. Pessoas que eram exatamente daquele jeitinho. Ela sente falta especificamente de pessoas que mudaram tanto, que já são outras. E essa é a parte mais cruel do tempo. Pois naquele momento exato houve uma conexão e uma cumplicidade que deixaram uma marca enorme. Deixaram um aprendizado, ou um amor, e com certeza um carinho. Mas essas pessoas não existem mais. Seu corpo habita outros seres, desconhecidos, incapazes de fornecer aquele momento novamente.

Olhar para aquela casa hoje é como olhar para um amontoado de lembranças, e acredito eu, que ocasionalmente a casa dos pais acaba sendo isso mesmo, um amontoado de lembranças de outrora. Ela via esse mesmo sentimento no olhar marejado do pai, quando via o esqueleto vazio da casa que em outros tempos abrigava sua avó. E ela reconhecia o sentimento, mas ainda distante... A casa da vó era um lugar de férias, não tinha histórias do dia a dia para ela, então obviamente não tinha como entender o porquê dos olhos do pai marejarem. 

Quem sabe ao olhar, ele via num canto uma época onde brincava com a irmã, naquele outro canto uma briga com seu irmão, no outro ele recebeu um conselho de seu pai, na cozinha sua mãe cozinhava o almoço numa manhã de domingo, na varanda seus primos que vieram de cavalo convidar para jogar bola... e hoje ela vê isso. 

Durante toda sua vida houveram tantas mortes, tantos momentos que morreram para deixar outros virem, sabe? Infelizmente as fotografias não conseguem aplacar isso. A fotografia não tem cheiro, voz, não ama. E por mais que tenham pessoas novas em sua vida, as antigas fazem falta. Outro dia ela olhava um seriado tosco, mas o episódio era sobre um amigo que fazia de tudo para salvar o outro, que no final, não retribuiu o carinho que seu salvador teve. Aquilo doeu tanto. Pois ela entendeu que em muitas das suas relações ela amou sozinha.

E como pode isso ser um problema do outro? Quando ele não tem obrigação nenhuma de te amar. Ele não tem obrigação de retribuir o carinho. Mas da mesma forma, conter o fluxo das emoções que tu estás sentindo também é uma violência consigo. Então, ela caiu no conto do amor que ama sozinho. Fadado a solidão, e a tragédia do Romeu que ao acordar viu que seu amor não se encontrava mais ali. Sua vida muitas vezes foi essa tragédia Shakespeariana, ao acordar do devaneio se via na sala sozinha, olhando para sua Julieta morta ao seu lado, sem nada poder fazer para trazer a amada de volta.

A velha casa dos pais é uma tragédia Shakespeariana se tu parar para pensar, um eterno Romeu olhando para a Julieta deitada sem vida, mas também é um sonho de uma noite de verão... encontros e desencontros, e eventuais finais felizes. Mas com o passar do tempo a menina entendeu que apesar da nostalgia e da falta que ela sente dos momentos olhando para a lua na janela, ela entendeu que enquanto ela vivia tais momentos, sua mente estava em um futuro que hoje ela tem. A mente nunca está na casa que está - ou está com 15 anos sentada em uma janela, ou com 26 sentada em um sofá confortável. Construir na sua própria casa um sonho de uma noite de verão quem sabe seja mais fácil hoje, entendendo que a magia da casa dos pais continua lá, e a magia de estar aqui, é também uma forma de viver em um conto.

O que é estar sozinha? E como esse texto é meu, e não da menina, eu não terminarei ele de uma forma bela e poética. 

quarta-feira, 21 de julho de 2021

 finalmente eu tive coragem de sentar e escrever sobre ti

não porquê não dói mais

mas porquê eu entendi

das faltas que eu sinto a tua é uma das que mais machuca, e isso prova pra mim que as minhas maiores carências não são de afetividades românticas, e sim de compreensão. de liberdade.

tu bem sabes que eu não me abro com todos, pois eu carrego comigo muito, e muitos não concordariam, e tu bem sabes também como eu odeio conflito e divergências... na maioria das conversas eu apenas mostro o que o outro quer ver e não me comprometo.

mas isso não me completa, nem de longe. entretanto tu não me completava, tu transbordava. me expulsava do meu copo, me deixando num conforto descondortável, onde eu sabia que estava sendo invadida mas gostava da invasão.

pois contigo eu não precisava agir muito, tu agia por nós, e em troca eu só precisava sofrer um pouquinho.

era uma simbiose, uma relação de dependência emocional onde sem você eu me sentia sem ar, mas contigo tu não me deixava respirar.

eu te machuquei também, e eu sinto muito.

eu sou como o gato que tu cuida e quando ele se sente acuado ele morde e se esconde, e tu nem sabe em que parte tu tocou que o fez agir assim.

eu acredito que tu mesma não saiba o que tu fez para que eu agisse daquela maneira, e a verdade é que foi um acumulado de um ano de tormenta, que explodiram em um momento extremamente inapropriado.

eu sinto muitíssimo.

e é estranho porquê apesar de eu sentir tua falta, eu não desejo mais nossa amizade.

mas eu queria conseguir olhar pra ti sem me sentir ferida... acho que quanto maior o amor mais dolorida a queda.

eu queria ficar feliz com teus passos, mesmo observando eles de longe

queria poder sorrir com as tuas conquistas

mas eu ainda estou ferida

então eu sinto muito, por não estar neutra

por não desejar o teu melhor

mas eu espero que desejar sentir isso conte, e que um dia isso passe

segunda-feira, 5 de julho de 2021

convulsão

 De todas as coisas que ela deixou para trás, e em todos esses anos, poucas coisas fizeram tanta falta como o cheiro agridoce do pescoço que ela deitava a cabeça enquanto contemplava a paisagem a sua frente. Seu frágil corpo não conseguiu sustentar a falta que o toque aveludado produzia, e em todo esse tempo ela apenas deixou de lado os sentimentos como se fossem caixas de mudanças. Foi complicado olhar para o amontoado que se formou naquele quarto que ninguém entra, mas ela tentou. Olhou a primeira caixa e viu um par de olhos verdes. Não, não quis olhar o que tinha nas outras. Em outras caixas tinham cristais, árvores, roupinhas de cachorro, itens medievais e todo tipo de quinquilharia que ela juntou pelos anos. Havia uma caixa com dinheiro antigo que nem dela era, mas guardava pois aquele dinheiro podia servir para alguma emergência. Havia tantas coisas naquele quarto que ela mal conseguia processar tudo, mas começou, caixa por caixa, apesar da melancolia que a primeira caixa deixou impregnada no ar. Ela precisava mexer nisso para que pudesse parar de empilhar caixas com as mesmas bugigangas. Para que de uma vez por todas parasse de comprar itens de segunda mão que só trazem as mesmas experiências. Por favor, vamos tirar essas caixas do caminho para que o novo venha.

De todas as coisas que os anos deixaram para trás nesse exato momento ela só sente falta da cumplicidade. Do carinho que ela deixou naquele outubro chuvoso, da pele branca como a neve que trazia toda uma história mórbida que ela não quis deixar para trás. Ora pois, tantos anos escrevendo sobre a brancura cor-de-osso da lua, uma hora ela teria que enfrentar o fantasma. Ler o bilhete. Mexer na poeira. Abrir a porta. Uma hora seria necessário desempacotar tanto sentimento que ela guardou para depois. Depois de tanto tempo, parece que nesse quarto só existe saudade. Uma coleção invejável de experiências passadas as quais ela não aproveitou direito enquanto passavam. Lembra de algum dia ter gostado dos pingos de ouro que escondiam o abraço quente nas manhãs de inverno? Não, enquanto ela enfrentava o frio do passado ela apenas almejava o futuro. Pois então menina, o futuro chegou... passou... e hoje se amontoa junto com o par de olhos verdes nas caixas empilhadas. Ora menina, quando tu vai parar para aproveitar as paredes cor de creme que tu tens hoje?

A noite chega, com ela novos pares de olhos aos quais tu nem quer ver. Novos amontoados de experiências passadas que tu já sabe que não valem a pena. Mas lá vai você.

Já passou a hora de mexer nas caixas. Já passou a hora de deixar a saudade ir embora. Já passou a hora de começar a aproveitar o caminho e não mais desejar a parada final.